Casa Francisco de Lacerda, Fajã da Fragueira, Calheta S. Jorge, Açores


Casa Francisco de Lacerda, Fajã da Fragueira, Calheta S. Jorge, Açores

Meu querido Francisco, 
(…)
Vínhamos passar dois meses de Verão – agosto e setembro – na nossa pequena casa da Fragueira, onde afinal fixei a minha residência. Sumias-te muitas vezes de casa para ires cavar em uma nesga de terreno maninho ao fim da canada que dá para a costa do mar. Lá te encontrei muitas vezes em fralda de camisa, cavando ou sentado a descansar e a comer o pedaço de pão que a mãe te dava para merendares.

Conseguiste enfim – a poder de quantas fadigas! – fazer uma pequena horta que semeaste de batatas. Deu a colheita coisa de uma quarta que nos vendeste por 60 reis. Foi o primeiro dinheiro que pudeste chamar legitimamente teu, por ser ganhado com bastantes suores. Logo de seguida – movido pela ambição – começaste a arrotearoutra nesga de terreno mais abaixo, a que puseste o nome de Queimada de Baixo, para destrinça da primeiraa que deras o nome de Queimada,naturalmente pelos calores que lá suportaste. Ambas foram já lambidas pelo mar, mas a recordação, essa ficou!

Ainda hoje quando passo por lá vejo-te retratado, como então eras, no espelho da imaginação, cavando ou descansando, com a cabeleira loira agitada pela brisa da tarde…. Passados os dois meses de Verão voltávamos à Ribeira Seca.

Não passava dia que não fosses a casa dos avós, naturalmente à pesca de alguma gulodice. Tinhas aprendido, não sei onde, uma cançoneta macabra, que cantavas, bailando e fazendo com a mão direita ao través do braço esquerdo o gesto de quem toca rebeca.
(…) Até ao próximo «S. Miguel»

Teu pai
J. C.

20 – Agosto – 1908


Excerto da carta do pai J. C.  transcrita do livro Cartas a Francisco de Lacerda de Teresa e J.M Bettencourt da Câmara edição Secretaria Regional da Educação 1988

Coordenadas GPS: H3R2+3J Fajã da Fragueira





Associação Francisco de Lacerda